
Alguém que eu admiro muito disse recentemente que para cada encontro que ocorre, foram necessários que bilhões de anos de ações e acontecimentos específicos e certeiros acontecessem. Ele disse que quem lhe disse isso foi um amigo astrônomo, que concluiu “é um milagre do universo que tenhamos nos encontrado agora”.
É um milagre do universo. Profundo, né?
Mesmo que eu entenda muito pouco sobre a história do universo em larga escala, eu entendo o suficiente sobre seres humanos para entender o conceito radical de nascimento — e que é graças a esse acontecimento comum que eu sou capaz de conhecer essas pessoas maravilhosas da minha vida… ou não tão maravilhosas assim.
E o fato é que, mesmo levando em consideração apenas o acontecimento “nascer”, ele ainda é um acontecimento que remete a um encontro de duas pessoas, que remetem ao encontro de outras 4 pessoas, que remete ao encontro de outras 16 pessoas… e pensando assim, não é loucura perceber o quão improvável é que encontramos cada uma das pessoas que nos rodeiam?
Daqui a pouco eu vou começar a falar que o acaso não existe, então vamos seguir em frente com o ponto dessa news que te encontra hoje.
As abelhas são capazes de contar umas as outras onde elas encontraram um bom néctar, sabia? Literalmente, elas comunicam o lugar da flor através de uma dancinha, e uma abelha que recebeu essa informação é então capaz de ir até lá sozinha, sem ser guiada. Só tem um porém: elas só são capazes de contar se elas mesmas tiverem ido lá. Ou seja, elas não são capazes de contar, do jeito que eu contei para vocês no começo desse texto, uma informação que foi contada para elas.
Quando eu penso em milagres, as abelhas me vem em mente. Eu acho que a crença nos milagres funciona do exato mesmo jeito que a dança das abelhas: por pertencer ao campo do extraordinário, as pessoas só acreditam em milagres se verem ou experenciarem por si mesmas.
E talvez seja por isso que eu meio que odeie o conceito de milagre. Eu acho que o mundo perde grande parte do seu brilho se não tivermos um pouquinho de crença infundada no impossível. E se é necessário um milagre para provar que o extraordinário existe, que a vida por si só é extraordinária, então eu acho que a graça da vida se perdeu ai.
Por isso que eu admiro tanto a pessoa que me contou que cada encontro é um milagre. Pessoas assim sabem extrair a magia e a beleza de cada pequena coisa, até mesmo um olá. Elas não precisam que exista um grande sinal neon que diga BELO, ISSO É BELO!, para saber que a beleza existe ali.
E para mim, está se tornando cada vez mais necessário parar de dar tanto palco para o extraordinário. Eu não quero mais o olhar vidrado de quem vê os grandes sinais neons, eu quero o olhar curioso de quem nota o ordinário e se maravilha com isso.
A questão é que eu cresci amando o extraordinário. Eu lia os livros mais famosos, via todos os grandes filmes de cinema, sabia todos os contos de fadas, folclores ou lendas. Eu queria ser como as pessoas mais belas e inteligentes que já vi, e assistia America’s Got Talent obcessivamente, de novo e de novo, por causa do puro talento fora de curva das pessoas ali. Minhas histórias favoritas sempre foram sobre magia e super-heróis.
Mas ai você vê um sorriso bonito e pensa “cara, existe uma certa magia em um sorriso, né?”. E depois você nota o sol sobre as folhas de uma árvore balançando ao vento e considera que, talvez, a magia simplesmente esteja em tudo.
Em seu livro Decolonizando Afetos, Geni Núñez cita uma frase da Dra. Kimberly TallBear: “Eu tenho múltiplos amores humanos, mas as pradarias e seus rios e céus são os amores mais duradouros do meu coração.” Eu sou completamente apaixonada nessa frase. É esse tipo de amor que eu espero sempre ter pelo lugar onde vivo, pelas coisas ao meu redor, e pelas pessoas também.
Essa semana uma amiga me disse que ela gostaria muito de saber como eu sou quando estou apaixonada, que essa é basicamente a única faceta minha que ela ainda não conhece. Na hora, eu quase respondi “mas eu estou apaixonada! Pela vida”. Felizmente, acho que me bateu um pouco a consciência do quão ridículo essa frase ia soar, e eu segurei a língua. Mas ao mesmo tempo, isso é 100% verdade. Talvez não pela vida, mas com certeza com o estar viva. E pelo mundo, por mais estranho que isso possa soar. É como John Green maravilhosamente disse em seu livro Antropoceno, “Todos nós sabemos como o amor termina. Mas quero me apaixonar pelo mundo mesmo assim, permitir que ele me invada por completo. Quero sentir o que há para sentir enquanto eu estiver aqui.” Essa passagem me atravessa de um jeito inexplicável.
Se eu quisesse romantizar e poetizar a coisa toda ainda mais do que eu já fiz até aqui, eu diria que eu ando percebendo que o extraordinário habita o ordinário, e é só por isso que ele existe. E que eu ando me sentindo assim ✶⋆.˚!!!!! ⋆。°✩ com o mundo, e é a melhor sensação que existe. Eu não tenho nem palavras, mas acho que vários pontos de exclamação e estrelas descrevem exatamente o sentimento. Acho que se você também já vivenciou os milagres ordinários, como o sol de inverno, o nascer da lua, ou um abraço apertado, você vai saber do que eu estou falando.
Mas se ainda não vivenciou, está tudo bem. Uma hora você vai conseguir perceber eles por ai também. Mas te concedo essa pequena crença infundada, se você quiser ela para si:
Acho que no fim eu ainda me encontro na fase inicial da paixão, onde tudo parece extremamente incrível. Eu espero poder chegar em uma fase onde a beleza do mundo é, por si só, suficiente, como Toni Morrison uma vez descreveu.¹
Isso tudo para dizer que, embora eu não goste dos milagres extraordinários, eu adoro caçar os milagres ordinários. E os encontros que o simples estar viva me propõe estão começando a soar mais e mais como os pequenos grandes milagres que eles verdadeiramente são. O encontro com meus melhores amigos, o encontro com o clube do chá que participei recentemente, o encontro com meus alunos, com a borboleta no jardim hoje de manhã, com o vento que veio visitar essas bandas — até mesmo o encontro com a arte da colagem, ou com a tristeza. O que seria de mim sem essa sucessão de eventos e acontecimentos que levaram tudo isso a rodear a minha vida? O que será de mim com os futuros encontros?
Todo encontro é um milagre, que levou bilhões de anos para poder acontecer. Acho que vou guardar essa lição comigo por um bom tempo.
E já que hoje é dia dos namorados, vou deixar uma última citação do livro Antropoceno, porque eu amo o quão ordinário ele é: “Nunca mais vou falar com diversas das pessoas cujo amor me trouxe até esse momento, assim como você nunca mais vai falar com muitas pessoas cujo amor lhe trouxe até seu momento atual. Brindamos à elas — e torcemos para que elas, em algum lugar, estejam brindando a gente.”
Até a próxima vez que der Na Telha,
Cici.
¹ “Em algum momento da vida, a beleza do mundo se torna suficiente. Não precisamos fotografar, pintar ou mesmo guardá-la na memória. Ela é suficiente.” Toni Morrison, Tar Baby. 1981.
E principalmente um brinde a você por estar vivendo uma vida 🌟 ✨!!!!✨🌟. Também acho que compartilho desse momento
: )) *** !!! ** :O !!**