#10 quero pensar nas coisas que combinam com jazz
a garota de classe que almejo ser — se "de classe" for alguém que não reclama tanto quanto eu quero reclamar
eu tenho exatas 55 newsletters começadas e não terminadas. algumas tem um mesmo tema, nem sei dizer porque abri um arquivo diferente cada vez que me deu vontade de escrever sobre a mesma coisa. eu acho incrível, aliás, que eu tive a capacidade de começar a mesma baboseira cinco vezes já, toda vez achando que eu finalmente tinha conseguido mudar o tom que me desagradava nas outras versões. eu tenho que aprender a ser mais sincera comigo mesma. não tem como eu mudar algo, se eu começo com o exato mesmo sentimento toda vez.
nesse caso, o sentimento é o simples e puro descontentamento. se tem algo me incomodando, eu abro um arquivo no notion e começo a escrever. são textos cheios de “vocês isso, eles aquilo”, que começam e terminam exatamente como uma chama de fósforo: surge como uma brilhante ideia no começo, e no fim me faz correr para transformar o fogo em fumaça antes que queime a minha própria mão. a hipocrisia, eu percebo, está presente e confortável ali.
esses dias estava conversando com uma amiga, e disse para ela que eu estava tentando parar de falar sobre as coisas que eu queria que fossem diferentes, e começar a falar sobre as coisas que eu posso fazer serem diferentes. estou cansada, disse para ela, de focar nas coisas que me desagradam. quero ser capaz de transformar tudo sob uma ótica mais positiva de viver: quero decidir tomar atitudes melhores do que as que eu vejo e discordo.
revolucionário, eu sei.
talvez isso vá muito de encontro com uma nota que eu vi recentemente aqui no substack, em que um cara disse que ao invés de dizer para os filhos que eles tem que se apressar, que tem 5 minutos para estarem prontos ou eles vão se atrasar, ele passou a dizer que em cinco minutos ele estaria saindo, e que se eles não estivessem prontos tudo bem, eles podiam terminar no carro.
eu não quero mais dizer para mim mesma “vai lá fazer ou [insira consequência]”, eu quero ser capaz de encarar a realidade e saber o que leva à cada situação, e decidir ali qual caminho vou tomar, com responsabilidade. quero saber dizer “se você não fizer está tudo bem, mas então vai ter que fazer de [insira outra forma]. qual você prefere?”.
então se eu quero escolher como vou viver, e eu escolhi não focar nas coisas que me desagradam, mas sim no que eu sou capaz de fazer para que elas sejam diferentes, então estou aqui declarando que eu nunca vou terminar essas 55 newsletters rascunhadas que tenho no meu notion. são arquivos e mais arquivos cheios de bla bla bla descontente que eu me recuso a continuar.
tá, talvez isso tenha sido dramático demais. vamos tentar de novo.
na verdade, eu deixo aqui declarado que vou sim terminar cada uma delas, mas olhando para esses textos do jeito que eu me proponho agora: como eu posso falar sobre isso de forma que seja uma ação que eu possa tomar, e não uma ação que eu quero que outros tomem? ou melhor ainda, se eu acho tão brega assim ficar me lamentando, por que não tiro um tempo para escrever sobre como tomar uma atitude positiva é uma ideia imensamente mais evoluída?
era o que eu estava tentando fazer aqui, embora vou ser honesta e dizer que talvez eu tenha me perdido no meio do caminho. mas o jazz está tocando, e nada que eu escreva ao som de jazz pode ser assim tão ruim.
o engraçado é que jazz é algo que eu nem sequer ouvia antes de colocar na cabeça que seria muito chic escrever ao som de jazz com umas velas acesas. não tem como não se levar a sério se você tem um som cult tocando ao fundo. a trilha sonora importa, e eu estou tentando fazer a da Na Telha ser essa.
então acho que acima de tudo, o verdadeiro questionamento se torna: como eu posso transformar cada um desses textos inacabados em algo que combine com jazz? talvez tudo que eu precise é me dizer tenha classe, yaci, seja fina. você escreve newsletters ao som de jazz na calada da noite, e não tem nada mais brega do que usar esse tempo para reclamar do mundo.
e só porque é de praxe já: sabia que a origem da palavra clássico vem de “pertencer à primeira classe, da elite”? lembrei disso, que li recentemente em um livro, quando usei a expressão “ter classe”.
até a próxima vez que der Na Telha,
cici.
Gosto muito dessa mudança de perspectiva: ao invés de só reclamar, buscar entender o que realmente incomoda e avaliar o que é possível fazer individualmente. E olha, acredito que essa fase do "rascunho reclamão" seja de fato a primeira etapa dessa transição. Penso em cada versão como uma sessão de terapia, em que cada conversa esclarece mais o que te aflige, até vc ter a clareza do que precisa fazer. E acho que está tudo bem estar insatisfeita, é isso o que leva ao movimento... E é por este motivo, acredito, que pessoas de primeira classe não reclamam tanto: a vida pra elas já está em lugar tão confortável! Rs. Boa sorte nos seus rascunhos, espero que eles amadureçam e que possa lê-los futuramente ☺️.
Yaci, adorei a arte do início do post! O texto também. Sempre que leio suas news, volto com ideias novas. Por mais que às vezes pareçam ideias antigas ("ver de outra perspectiva", "fazer diferente", "mudar"...), você sempre consegue me fazer vê-las com outros olhos. Confesso que eu gostaria *muito* de ser uma mulher classuda que ouve jazz... infelizmente, tenho que aceitar que não é do meu feitio.