quando eu era menor, meu sonho era ser uma escritora. mais especificamente, eu queria ser que nem o Christopher Paolini e escrever um livro de sucesso antes dos 18 anos (no caso dele, eragon). eu tinha infinitas ideias e escrevia nada, o que eu suponho seja uma aflição comum entre diversos aspirantes à escritor.
naturalmente, eu era uma adolescente em constante estado de frustração.
e estava tudo errado nessa história, é claro.
para começar, o fato de alguém ler algo meu me aterrorizava. eu entregava redações na escola com a mão tremendo, principalmente se fosse algo que exigia algum nível de criatividade. ao mesmo tempo, eu recebia ótimas notas por escrita. eu amava saber que era boa, e amava os elogios à minha criatividade, que eu sempre recebi ao longo da vida.
mesmo assim, com dezoito eu honestamente achava que escrever não era para mim.
então acho que posso dizer que a pior coisa que fiz foi ter comprado a ideia de pressa da humanidade, e essa estranha obsessão com a juventude. porque eu tinha que escrever um baita livro antes dos 18? isso nem faz sentido.
mas se vamos falar de sonhos, tenho um outro sonho, desses que nasceu com uma garotinha e segue com a adulta que me tornei: ser uma velha sábia.
é um dos meus únicos sonhos reais nessa vida, ser uma velha de oitenta anos que sabe responder tudo e dar conselhos, que escreve livros, que conhece os netos muito bem, que as pessoas chamam de bruxa, que tem olhos profundos e um jardim ao mesmo tempo lindo e útil.
hoje em dia me recuso a pensar “quando eu tiver 30 anos”. quando eu quero algo na vida, eu digo “quando eu tiver 80 anos”. primeiramente porque eu cresci, e agora não compro mais a ideia de ter pressa. segundo porque as coisas que quero são coisas que são melhor construídas com o tempo, com experiência de vida. que nem um bom vinho.
claro, esperar até os oitenta para ter o que se quer é uma ideia maluca e irreal, e portanto é exatamente por isso que faz total sentido para mim.
é só que eu percebi que eu posso sim ser uma escritora agora, mas também percebi que serei uma escritora ainda melhor daqui para frente. eu não preciso dar o meu máximo para conseguir me sustentar com escrita agora, sendo que eu posso praticar a escrita de forma prazerosa e tranquila no meu tempo sozinha. eu tenho outras habilidades pra exercer como “trabalho” e me sustentar até eu querer, de fato, publicar como uma profissional. o sonho de ser escritora publicada, que ganha qualquer tipo de dinheiro com isso, não tem data limite.
eu percebi exatamente isso: meus sonhos não tem data limite.
e talvez tenha muita gente que se desespere com a simples noção de ter calma com a vida. por que fazer depois se posso fazer agora, não é mesmo? mas eu acho que às vezes a gente esquece que a vida não é só conquista. eu não preciso ter um livro escrito, ou um livro publicado, e sequer um livro sendo escrito. o que eu preciso é ter prazer com a vida agora, ao mesmo tempo em que construo a vida de amanhã. é extremamente satisfatório estar escrevendo essa newsletter, e seria igualmente satisfatório estar escrevendo um diário, se eu achasse isso interessante.
é louco, essa noção deturpada que temos do que é viver.
recentemente, amigas muito queridas me disseram algo que me atingiu no fundo da alma. elas disseram que leriam a minha biografia. uma biografia sobre mim. eu, uma garotinha qualquer de uma cidade qualquer. elas jogaram essa numa roda de amigos que eu não conhecia, e ainda insistiram depois. disseram “é verdade! você tem uma vida interessante”. eu juro que senti minha alma ferver de tão quente que fiquei com o calor de me sentir amada.
e por um segundo absurdo, eu senti que devia protestar. eu queria dizer o que eu conquistei na vida até aqui para vocês dizerem isso?!
esquecer que a vida é todos os segundos que vivemos, e não apenas os poucos momentos em que algo relevante aconteceu, por um segundo que seja, é verdadeiramente absurdo. eu espero viver uma vida em que sou feliz com o que tenho agora, em que eu aproveito o que ela tem de melhor em todos os momentos.
meus sonhos estão sendo construídos e vividos neste momento, não esperando serem conquistados. a sábia velha de oitenta anos nasceu em 1998 e está vivendo desde então. ela já existe.
gosto de lembrar que viver é um ato por si só. na verdade, é um verbo extremamente rico, com dez definições diferentes.
e talvez tenha sido naquele momento com minhas amigas que eu percebi tudo isso. não sou rica, não tenho milhões de seguidores no instagram, não tenho um apartamento em algum lugar bonito, não tenho um livro publicado. mas tenho amigas e amigos que acham a minha vida interessante.
eu acho a vida interessante, o tempo todo. talvez esse seja o melhor sentimento do mundo.
eu não sei se um dia terei oitenta anos, a vida é imprevisível assim. mas o que importa é que se eu um dia for uma velha de oitenta anos, ela será alguém que um dia teve 60 anos, e 30 anos, e 26 anos.
melhor eu cuidar bem delas, não é mesmo?
até a próxima vez que der Na Telha,
cici.
Este ano, aos 62 anos, publiquei meu primeiro livro "Areias de Portonovo" (olha o merchandising!) depois de passar décadas acumulando poemas e histórias, algumas rabiscadas e outras apenas montada no pensamento durante as tardes de domingo. Agora que os 80 estão próximos, ainda tenho dúvidas se os terei, mas e daí? Cheguei até aqui e agora vou em frente, para outros livros, poemasoltos e o que mais vier!
Obrigado por compartilhar seu texto!
Lindo isso Cici. Eu tenho muito que aprender sobre. Tento colocar datas pros meus sonhos, mas no final das contas isso nem dá certo, só traz mais desânimo e ansiedade. Me vejo bastante nisso que você fala de escrita, mas mais voltado pra publicação. Porque, afinal de contas, não é como se eu não estivesse vivendo só porque ele não foi realizado. Muito pelo contrário, muitas conquistas tão sendo realizadas. Tudo tem sua hora e vez.